Diário da Série D: realidade de 4ª divisão, cobrança de 1ª
Daniel Gallas
Enviado especial da BBC Brasil ao Acre e Pará
Às vésperas da Copa das Confederações, a pouco mais de um ano da Copa de 2014 e no início do Campeonato Brasileiro de 2013, o repórter da BBC Brasil Daniel Gallasvisita um mundo distante dos holofotes e do glamour do futebol de elite: a Série D, como é conhecida a quarta divisão do Campeonato Brasileiro.
Com números impressionantes, o torneio mostra um pouco da realidade da grande maioria dos times do país: trata-se da única divisão do campeonato nacional com representantes de todos os 27 Estados brasileiros, com 40 equipes.
Nesta e na próxima semana, Gallas viaja pelo país acompanhando uma das equipes, o jovem Paragominas Futebol Clube, do Pará, time registrado na CBF há menos de um ano.
Enquanto colhe material para uma série de reportagens que serão publicadas pela BBC após o campeonato, que termina em outubro, Gallas também estará enviando suas impressões diárias, em tom de blog, sobre os bastidores dessa viagem e de suas experiências.
Veja abaixo os relatos de Daniel Gallas:
- Realidade de 4ª divisão, cobrança de 1ª - 06/06
- Com quem vamos jogar? - 05/06
- Emoções fora de campo - 04/06
- Muito chão, pouco dinheiro - 03/06
O público do Paragominas FC nos treinos é superior ao que comparece a muitos jogos da Série D. O último treino do clube antes do jogo de estreia deve ter superado o número de pagantes que assistiram à equipe na partida de estreia, que foi realizada fora de casa, em Rio Branco, no Acre.
O clima no estádio Arena Verde é quase de happy hour. Os treinos começam às 16h30, momento quando muitos começam a deixar o trabalho na cidade. Por volta das 18h30, o estádio já tem um volume bom de pessoas.
Quase todos chegam de capacete na mão – a moto é o principal meio de locomoção no extenso município que não possui transporte público. Alguns comparecem de bicicleta, e algumas famílias inteiras chegam de carro.
As crianças brincam no vão entre o campo e os assentos. Nas arquibancadas, os adultos debatem intensamente a escalação ideal do time em meio a muitos "choppinhos". Apesar do nome, a iguaria local não tem nada de alcoólico. Trata-se de um saco com suco ou leite com achocolatado congelado – uma variação local do "sacolé".
O ambiente aparentemente pacato é enganoso. Todos ali estão trabalhando duro na condição de torcedores. Observam cada movimento de todos os jogadores no campo, até mesmo durante os tediosos momentos de treino físico e toque de bola.
Quando a bola rola para o coletivo, os ânimos se acirram. Os jogadores precisam obedecer não só às ordens táticas do técnico Cacaio, mas também as orientações que vem dos 250 "técnicos" presentes. Quem não segue as regras, pode ouvir protestos.
No treino de quarta-feira, nem mesmo um dos maiores ídolos do clube, o experiente jogador Marquinhos, escapou. Depois de receber dentro da área uma bola livre, com o goleiro já batido, fez o improvável e quase impossível: tocou por cima do gol. O eventual gol não trocaria a posição do Paragominas na tabela da Série D. Não daria ao jogador um aumento de salário, não colocaria mais um troféu no armário, sequer sairia no jornal do dia seguinte.
Mas a torcida não perdoa nem mesmo o ídolo. Imediatamente, vários se levantaram e se colocaram a gritar instruções e palavras carregadas de, digamos, críticas.
"Vai vestir a camisa do Inacreditável FC, vai", era uma das reclamações mais constantes, em referência a um quadro na televisão que reúne os gols mais imperdíveis do Brasil.
Outro assunto corrente nas arquibancadas é a demora para a chegada de Ratinho no clube. O jogador foi anunciado pelo clube no final da semana passada, e ainda não chegou na cidade. A "rádio arquibancada" conta a seguinte versão: Ratinho estava a caminho de Belém, mas na altura de Castanhal – cidade no meio do caminho – perdeu-se em alguma perigosa ratoeira. Ou pisou feio no queijo.
O clima brincalhão também é enganoso. As piadas revelam um tom de insatisfação com o jogador. Por onde anda o atleta, poucos dias antes de um jogo tão importante, como a estreia do Paragominas FC na Série D diante de sua torcida? É possível que tome uma vaia antes mesmo de entrar em campo para partidas oficiais.
A cobrança de primeira divisão é normal na Série D, muito em função de o campeonato ser tão curto. No final de agosto, 24 dos 40 times estarão eliminados. Em outubro, apenas quatro conseguirão ascender para a Série C.
O Paragominas não terá 19 rodadas, como na primeira divisão, para atingir seus objetivos. Serão apenas oito jogos em três meses. A ausência de Ratinho, qualquer deslize de Marquinhos – qualquer detalhe pode decidir o sucesso de toda a temporada
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