quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Ipea e Socicom defendem regulação na área da comunicação


Com apenas 7,5% da população brasileira com acesso à banda larga (dado de 2009), os benefícios da convergência digital ainda são usufruídos por uma minoria. Ao mesmo tempo, produtores de serviços, como softwares e conteúdos, não conseguem expandir a oferta diante de uma demanda tão limitada. A solução para esse impasse passaria pela ampliação do diálogo entre a indústria da comunicação e o Estado, o qual poderia incentivar o setor através de políticas públicas específicas, como o Plano Nacional de Banda Larga, sustenta estudo realizado pelo IPEA e pela Socicom.

São Paulo – Seja como vetor de entretenimento, educação ou cultura, a indústria da comunicação no Brasil poderia desempenhar um papel mais relevante do que o atual neste período de aceleração do desenvolvimento do país. Com apenas 7,5% da população brasileira com acesso à banda larga (dado de 2009), os benefícios da convergência digital ainda são usufruídos por uma minoria. Ao mesmo tempo, produtores de serviços, como softwares e conteúdos, não conseguem expandir a oferta diante de uma demanda tão limitada. A solução para esse impasse passaria pela ampliação do diálogo entre a indústria da comunicação e o Estado, o qual poderia incentivar o setor através de políticas públicas específicas – por exemplo, através do Plano Nacional de Banda Larga, em gestação em Brasília desde o governo do presidente Lula.

Essa análise – em especial a necessidade de mais diálogo entre o setor da comunicação e o Estado – é recorrente na obra Panorama Brasileiro da Comunicação e das Telecomunicações, cujos três volumes foram lançados nesta terça-feira (12) durante seminário em São Paulo. O compêndio é inédito no setor da comunicação brasileira e pode ser atribuído ao esforço de pesquisadores do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e da Socicom (Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação), entidade que reúne quinze sociedades científicas brasileiras do campo da comunicação. Há artigos sobre tendências recentes da indústria, dados estatísticos sobre a abrangência do setor no Brasil, nos demais países da América Latina, em Portugal e na Espanha, além de um resgate da memória das associações científicas e acadêmicas brasileiras que estudam essas questões.

Ao participar do seminário, o presidente do Ipea, Márcio Pochmann, ressaltou o papel que as comunicações podem ter em um projeto de desenvolvimento nacional. Segundo ele, os bens imateriais do setor de serviços são hoje mais valorizados do que os bens materiais do setor industrial, o que justificaria o estudo dessas questões e a inclusão do setor em um projeto nacional de desenvolvimento. Para o presidente da Socicom, José Marques de Melo, a demanda por o que ele chama de “bom conteúdo” é grande, uma vez que apenas uma pequena parcela da população tem acesso a ele, enquanto a maioria vive sob um estado de exclusão “cognitiva”. “Estamos em um atoleiro em que a mídia não sabe o que é interesse público ou privado. Ela faz preponderantemente entretenimento, e é bom que o faça, mas é preciso divertir ensinando. A produção precisa ter conexão com a educação e a cultura.”, disse Melo, que também é professor aposentado da Escola de Comunicações e Artes da USP.

O presidente da Socicom chamou o lançamento do compêndio em parceria com o Ipea de um “momento histórico”. Para ele, essa articulação com um órgão ligado ao Estado indica que “o campo acadêmico da comunicação trilha o caminho da auto-estima, da consolidação e do compromisso público”. Enquanto outros setores da academia e da indústria nacional fizeram esse movimento há muito tempo, o setor da comunicação pagou o preço por ter seu desenvolvimento ocorrido apenas recentemente. Em sua fala, Melo refez os passos do setor enquanto área do conhecimento no país. Sua demarcação ocorreu apenas no final dos anos sessenta, por obra do jornalista Danton Jobim, então presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Jobim incentivou os debates entre profissionais do setor, acadêmicos e sindicalistas, permitindo a construção de uma identidade própria e a futura independência da área dos ramos das Letras e das Ciências Sociais. Fundador da Escola de Comunicação da UFRJ, em 1968, dava o primeiro passo para a criação de uma intelligentsia genuinamente brasileira entre pesquisadores do setor, permitindo a superação da dependência paradigmática de modelos externos.

Os avanços tecnológicos brutais dos últimos trinta anos colocaram a comunicação na agenda da sociedade civil organizada, dos sindicatos e de instituições públicas. A convergência digital obrigou a todos a discutirem a questão. Mas a razão não está apenas nela. De acordo com Gilberto Maringoni, professor de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero e bolsista do Ipea, a comunicação entrou na agenda pública também por um fato político-social. Ele se refere à primeira Conferência Nacional de Comunicação, a Confecom, em 2009, um processo que incentivou o debate nos Estados e em Brasília, mobilizando empresários, movimentos sociais e a academia, entre 1600 delegados enviados dos quatro cantos do país.

Um outro fator que incentiva o debate sobre comunicação na agenda pública tem a ver com a conexão entre esse campo e o do desenvolvimento. Nesse aspecto, o Ipea assumiu papel protagonista ao incentivar as pesquisas do setor. A pergunta colocada é: dentro de um programa de desenvolvimento nacional, qual a comunicação que queremos? Maringoni arrisca uma resposta: seria um modelo em que todos tenham acesso ao serviço, mas também tenham voz. “Para isso, o debate precisa ser feito”, diz ele. O Código Brasileiro de Telecomunicações ainda é o de 1962. Rádios e tevês com concessões vencidas tornaram-se casos corriqueiros. Os artigos 220, 221 e 222 da Constituição, que tratam do tema da comunicação, ainda não foram regulamentados. “Quaisquer projetos que tratam de criar regras de convivência para o setor são taxados como censura pela grande mídia, enquanto são necessidades básicas de quaisquer outros setores da vida. Não faz sentido”, criticou Maringoni.

Diante de tantas lacunas regulatórias, o técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, João Maria de Oliveira, co-autor de um estudo sobre banda larga publicado no compêndio, defende atividade estatal no setor. “É fundamental que haja ação do governo para coordenar investimentos públicos e privados e para que se evite a concentração dos serviços apenas nas áreas mais rentáveis”, disse ele. A banda larga é um pressuposto para a convergência digital e para a produção de conteúdos regionais, mas seu mercado ainda é marcado por grande concentração e falta de competição. Os dados coletados por Oliveira indicam que na região Sudeste, por exemplo, o preço do acesso à banda larga equivale em média a 1/3 do preço cobrado no Norte. Assim, explica o pesquisador, em uma sociedade multicultural e multimídia, as políticas públicas de regulamentação econômica dos mercados de comunicações podem assegurar que os potenciais benefícios das tecnologias convergentes possam ser difundidos e fomentem a heterogeneidade cultural do país.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Os recursos para Cultura cresceram de 0,2% do produto interno bruto (PIB), para cerca de 1,3% – R$ 2,3 bilhões

Do Brasil de Fato

Não mais a cereja do bolo


Setor cultural ganha importância política inédita com Lula. Inércia em outros setores impede avanços maiores



Leandro Uchoas
do Rio de Janeiro (RJ)

Há oito anos, o Ministério da Cultura (MinC) era apenas um anexo, pouco importante, do governo federal. Tinha atuação rarefeita, concentradora e elitista. Atualmente, porém, na formação do governo de Dilma Rousseff (PT), foi uma das pastas mais disputadas. Mais de 20 nomes foram cogitados até a definição do nome de Ana de Hollanda. O que teria mudado nos dois mandatos do presidente Lula? A julgar pelas avaliações das gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira, feitas por intelectuais progressistas e pela classe artística, muita coisa. Ao contrário de sua área co-irmã, a Comunicação, campo de avanços quase inexistentes no mesmo período, a gestão da Cultura costuma ser bem avaliada. Diversos, os programas do Ministério teriam buscado federalizar a política cultural, descentralizando-a para além da região Sudeste. Também teriam buscado incentivar a cultura “dos de baixo”, ou “desesconder” o Brasil profundo. Estimular a cultura pelas suas pequenas manifestações, nos grotões, nos assentamentos, nas tribos, nos quilombos.
Segundo o MinC, os recursos cresceram de 0,2% do produto interno bruto (PIB), para cerca de 1,3% – R$ 2,3 bilhões (a recomendação mundial da Unesco é que o financiamento supere 1%). Entretanto, os possíveis méritos das políticas do Ministério – questionados por alguns setores da esquerda – estariam mais nos programas adotados. A ideia da cultura como uma indústria, que obedeceria aos mesmos pressupostos de qualquer atividade econômica, teria sido negada pelas gestões Gil/Juca. “De nada adianta os velhos paquidermes da ‘indústria cultural’ quererem reciclar-se por meio da última balela do velho industrialismo capitalista, as ‘Industrias Criativas’. Esse pessoal gosta da forma ‘indústria’, ou seja, da forma da exploração do trabalho alheio. A cultura não é indústria, mas valor, ou seja, significação”, defende Giuseppe Cocco, professor da UFRJ. Os programas do MinC teriam buscado fortalecer pequenas iniciativas, nem sempre geradoras de lucro ou visibilidade, de modo a incentivar, por baixo, a vasta diversidade cultural do país. “Nós trabalhamos a cultura como fato simbólico, fortalecendo as condições para o desenvolvimento das linguagens e das manifestações culturais, como um direito do cidadão, ampliando a acessibilidade, e fortalecendo a economia da cultura”, disse o ministro Juca em seminário recente.

Pontos de Cultura
Dentre os programas que ganharam mais visibilidade está o Cultura Viva. Através dele, mais de cinco mil Pontos de Cultura foram criados pelo Brasil. São manifestações culturais variadas que ganham apoio do governo, em recurso e logística, para prosperar. Em 2003, no primeiro ano do governo Lula, era o sétimo programa em recursos. No final do primeiro mandato já havia alcançado a primeira posição. Os Pontos de Cultura articularam-se nacionalmente, criando espaços políticos de mobilização e elaboração própria de política. Esses pequenos gestores, uma vez empoderados, utilizaram sua articulação para incentivar a aprovação de projetos no Congresso Nacional. Os Pontos de Cultura seriam o rosto mais visível da política cultural lulista, reproduzido em governos estaduais e em outros países, como Argentina e Angola.
Durante os dois mandatos de Lula, o Ministério da Cultura organizou uma série de seminários (redes, fóruns, teias e grupos temáticos), com participação expressiva da sociedade civil, para discutir os mais variados temas. Direito autoral, diversidade cultural, software livre, cultura digital, mídia alternativa. Frequentemente encontrou oposição dentro do próprio governo Lula. As críticas à política do Ministério das Comunicações ganhavam corpo internamente, por apresentarem freios aos avanços necessários à cultura. A lei de Direito Autoral, por exemplo, completa cinco anos de debates intensos. A inquestionável necessidade de reforma enfrenta níveis distintos de opinião. Há os que reivindicam pequenas reformulações na legislação, e os que defendem uma reforma mais radical, sustentando ideias como a propagação da pirataria e a universalização do software livre.

Políticas de fomento
O governo Lula também elaborou o Plano Nacional de Cultura (PNC), espécie de guia para orientar políticas e investimentos em cultura pelos próximos 10 anos. O PNC também cria o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais, e articula as três esferas de poder. Tem conexões com o Procultura, o novo modelo de financiamento de Cultura, e o Fundo Social do pré-sal, de onde viriam recursos para o setor. Está em fase adiantada de análise pelo Congresso. Outra lei que foi resultado de debates intensos é o Vale Cultura, e que também tende a ser aprovada pelos parlamentares. Através dela, as empresas poderão conceder ao trabalhador R$ 50, em um cartão magnético, para consumo de Cultura. Do total, R$ 5 seria descontados do trabalhador, e o restante de isenção fiscal. Estima-se que cerca de 12 milhões de trabalhadores sejam incluídos, e ganhem acesso a bens culturais antes impensados.
Outra ação governamental, esta para enfrentar o baixo nível de leitura no Brasil, foi zerar o número de municípios sem biblioteca no Brasil. A partir de 2010, só podem receber recursos do MinC as cidades que mantiverem essas bibliotecas em funcionamento. A produção audiovisual, antes concentrada no eixo Rio-São Paulo, também ganhou estímulo à descentralização. A quantidade de documentários produzidos no país deu um salto gigantesco, porém ainda se encontra muita dificuldade na distribuição e veiculação desse farto material – em grande parte pela permanência da concentração dos meios de comunicação, e a oligopolização dos espaços de cinema. O governo criou uma rede de Núcleos de Produção Audiovisual (NPDs), equipados com câmeras e ilhas de edição. Nos NPDs, existentes em diversos estados, há formação básica de roteirização, produção e edição. Em muitos deles, criou-se uma política de incentivo à formação de jovens de baixa renda.
Não por acaso, durante a campanha presidencial, o primeiro grande momento de mobilização entusiasmada à candidatura Dilma aconteceu por intermédio do meio artístico. No Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro (RJ), em 18 de outubro, intelectuais e artistas fizeram uma festa de mobilização em incentivo à então candidata de Lula. De Chico Buarque a Oscar Niemeyer, diversas personalidades de vulto deram seu apoio a Dilma. Até a ocasião do ato, a campanha presidencial era morna, girando em torno de temas menos relevantes, sob perspectivas conservadoras. Talvez nenhum outro setor tenha manifestado sua aprovação de forma tão clara na campanha. Quando, em 2003, Gilberto Gil assumiu o MinC, dizendo que a cultura deixaria de ser a “cereja do bolo”, talvez houvesse algo de profético em seu discurso.