A revolta da elite
O ódio que o PT desperta na elite é proporcional ao seu sucesso eleitoral e de público.
Por Reinaldo Lobo*
Um fenômeno curioso está acontecendo no Brasil. Desde junho do ano passado, uma parte considerável dos manifestantes que saem às ruas para protestar contra a Copa, o governo, os médicos cubanos, o preço do metrô e das passagens de ônibus ou para apoiar os protestos anti-corrupção não são estudantes de esquerda nem mesmo arruaceiros. São pessoas que pertencem à elite econômica, social e cultural do país.
Vários são declaradamente de direita e saem às ruas para dar vazão a uma revolta de privilegiados, pois sentem-se ameaçados pelas políticas sociais e distributivistas da era Lula e Dilma. São os que se incomodam com a presença nos aeroportos de "gente com cara de rodoviária", como sintetizou uma senhora numa fila em Cumbica.
Esses cidadãos, muitas vezes consideravelmente preconceituosos, entoam slogans anti-comunistas, como se estivéssemos ainda no tempo da Guerra Fria. Manifestam ojeriza e muita raiva em relação ao ex-presidente Lula e aos "petralhas", termo cunhado por um de seus ideólogos na imprensa.
Os petistas expressariam tudo o que abominam - a promiscuidade social com a "classe C ou D", sua ascensão aos espaços do consumo em massa e o o perigo de que suas representações na política ou nos movimentos socais tornem-se ainda mais hegemônicas nas escalas do poder. A eles, atribuem os males do Brasil.
Lula é a cara "de rodoviária", mas tornou-se poderoso e com liderança carismática sobre um eleitorado fiel, talvez o mais fiel desde Getúlio Vargas. O ódio e o desprezo que seu nome desperta nos setores de elite é diretamente proporcional ao seu sucesso eleitoral e de público.
Há um movimento eleitoral, neste momento, que consiste em uma união conservadora do tipo "todos contra Lula e Dilma". Após as últimas derrotas dos candidatos da oposição, a persistência de uma certa expansão petista e o conseqüente enfraquecimento da oposição levaram às cordas partidos oposicionistas como o DEM e o PSDB. Hoje tentam desesperadamente ocupar o espaço que lhes foi roubado pelo que chamam de "populismo" e, com desprezo, de "lulo-petismo".
Um dos equívocos é o de apontar só em direção ao PT, quando o atual governo é formado por um precário e amplo arco de alianças que vai da centro direita até uma parte da esquerda. Como temos insistido aqui, toma-se a parte pelo todo sem apresentar um projeto político e econômico alternativo, que não seja uma fórmula já experimentada no passado. Os partidos oposicionistas também procuram novas lideranças para forjar um substituto para Lula e Dilma, como seria o caso do neófito Eduardo Campos e de Marina Silva.
O movimento social e político que emergiu das chamadas "jornadas de junho de 2013" e agora insiste em se apresentar nas agitações contra a realização da Copa do Mundo e outras reivindicações, foi ainda muito pouco entendido pelos observadores e os próprios políticos.
O que começou como protesto das camadas mais pobres contra o aumento de tarifas dos ônibus e trens, ganhou espaço político junto à classe média, assustada, por sua vez, com a proverbial proletarização. Esse é o seu fantasma clássico em todos os períodos de mobilidade social ou de crise, o que a empurra para posições conservadoras.
Os mais pobres queriam manter e ampliar as suas conquistas e os setores mais privilegiados queriam manter e ampliar sua posição de vantagem no cenário social e político. Não faltam justificadores ideológicos na sua elite intelectual para isso.
O que ficou evidente desde então foi a falência da representação política e, como muitos já disseram, a impossibilidade de negociar soluções pelos canais institucionais tradicionais, como o Congresso ou o Judiciário.
A violência sistemática nas recentes manifestações contra a realização da Copa e, ainda, os preços das passagens no Rio, não são apenas sintomas do "caos urbano", como alguns tentam explicar. Podem ser também, mas nunca apenas.
A expansão da agressividade da participação social e política está ligada, em parte, a algo que apontamos em artigo anterior, intitulado "Alarme de Incêndio": a dificuldade das sociedades de consumo atuais, em plena crise global, de dar voz e representação efetivas não ao consumidor, mas à cidadania. .A outra face disso é a brutalização e a violência política.
A morte do fotógrafo no Rio foi um ato político, ainda que tresloucado, de quem quer ver o circo queimar. Foi ato anti-democrático de certos grupos mistos, suspeitos de infiltração dos provocadores, dos milicianos cariocas e da própria polícia.
O pano de fundo são as eleições deste ano, não a Copa ou os gastos com infra-estrutura.
Há uma paradoxal união entre as forças conservadoras e de extrema esquerda nessa cenário. A rapaziada do PSOL, do PSTU e dos Black Blocs faz parte da esquerda infantil, vítima daquela doença diagnosticada há tempos por aquele famoso autor russo, Lênin, inspirado - saibam - por uma leitura de Freud.
A "doença infantil do esquerdismo" faz o jogo da direita, que também sai às ruas para dar vazão à revolta dos privilegiados, esse particular e curioso fenômeno do Brasil atual.
A violência, que se espalha perigosamente e toma uma forma cada vez mais política no país, tem várias caras. Algumas estão mascaradas e pertencem aos Black Blocs. Outras, são as pessoas que renegam a violência, mas são complacentes com sua existência na medida em que caracterizam os protestos e o quebra-quebra como um efeito inevitável das políticas públicas.
Playboys e Black Blocks unidos pensam que jamais serão vencidos. Veremos em outubro, nas urnas.
Um fenômeno curioso está acontecendo no Brasil. Desde junho do ano passado, uma parte considerável dos manifestantes que saem às ruas para protestar contra a Copa, o governo, os médicos cubanos, o preço do metrô e das passagens de ônibus ou para apoiar os protestos anti-corrupção não são estudantes de esquerda nem mesmo arruaceiros. São pessoas que pertencem à elite econômica, social e cultural do país.
Vários são declaradamente de direita e saem às ruas para dar vazão a uma revolta de privilegiados, pois sentem-se ameaçados pelas políticas sociais e distributivistas da era Lula e Dilma. São os que se incomodam com a presença nos aeroportos de "gente com cara de rodoviária", como sintetizou uma senhora numa fila em Cumbica.
Esses cidadãos, muitas vezes consideravelmente preconceituosos, entoam slogans anti-comunistas, como se estivéssemos ainda no tempo da Guerra Fria. Manifestam ojeriza e muita raiva em relação ao ex-presidente Lula e aos "petralhas", termo cunhado por um de seus ideólogos na imprensa.
Os petistas expressariam tudo o que abominam - a promiscuidade social com a "classe C ou D", sua ascensão aos espaços do consumo em massa e o o perigo de que suas representações na política ou nos movimentos socais tornem-se ainda mais hegemônicas nas escalas do poder. A eles, atribuem os males do Brasil.
Lula é a cara "de rodoviária", mas tornou-se poderoso e com liderança carismática sobre um eleitorado fiel, talvez o mais fiel desde Getúlio Vargas. O ódio e o desprezo que seu nome desperta nos setores de elite é diretamente proporcional ao seu sucesso eleitoral e de público.
Há um movimento eleitoral, neste momento, que consiste em uma união conservadora do tipo "todos contra Lula e Dilma". Após as últimas derrotas dos candidatos da oposição, a persistência de uma certa expansão petista e o conseqüente enfraquecimento da oposição levaram às cordas partidos oposicionistas como o DEM e o PSDB. Hoje tentam desesperadamente ocupar o espaço que lhes foi roubado pelo que chamam de "populismo" e, com desprezo, de "lulo-petismo".
Um dos equívocos é o de apontar só em direção ao PT, quando o atual governo é formado por um precário e amplo arco de alianças que vai da centro direita até uma parte da esquerda. Como temos insistido aqui, toma-se a parte pelo todo sem apresentar um projeto político e econômico alternativo, que não seja uma fórmula já experimentada no passado. Os partidos oposicionistas também procuram novas lideranças para forjar um substituto para Lula e Dilma, como seria o caso do neófito Eduardo Campos e de Marina Silva.
O movimento social e político que emergiu das chamadas "jornadas de junho de 2013" e agora insiste em se apresentar nas agitações contra a realização da Copa do Mundo e outras reivindicações, foi ainda muito pouco entendido pelos observadores e os próprios políticos.
O que começou como protesto das camadas mais pobres contra o aumento de tarifas dos ônibus e trens, ganhou espaço político junto à classe média, assustada, por sua vez, com a proverbial proletarização. Esse é o seu fantasma clássico em todos os períodos de mobilidade social ou de crise, o que a empurra para posições conservadoras.
Os mais pobres queriam manter e ampliar as suas conquistas e os setores mais privilegiados queriam manter e ampliar sua posição de vantagem no cenário social e político. Não faltam justificadores ideológicos na sua elite intelectual para isso.
O que ficou evidente desde então foi a falência da representação política e, como muitos já disseram, a impossibilidade de negociar soluções pelos canais institucionais tradicionais, como o Congresso ou o Judiciário.
A violência sistemática nas recentes manifestações contra a realização da Copa e, ainda, os preços das passagens no Rio, não são apenas sintomas do "caos urbano", como alguns tentam explicar. Podem ser também, mas nunca apenas.
A expansão da agressividade da participação social e política está ligada, em parte, a algo que apontamos em artigo anterior, intitulado "Alarme de Incêndio": a dificuldade das sociedades de consumo atuais, em plena crise global, de dar voz e representação efetivas não ao consumidor, mas à cidadania. .A outra face disso é a brutalização e a violência política.
A morte do fotógrafo no Rio foi um ato político, ainda que tresloucado, de quem quer ver o circo queimar. Foi ato anti-democrático de certos grupos mistos, suspeitos de infiltração dos provocadores, dos milicianos cariocas e da própria polícia.
O pano de fundo são as eleições deste ano, não a Copa ou os gastos com infra-estrutura.
Há uma paradoxal união entre as forças conservadoras e de extrema esquerda nessa cenário. A rapaziada do PSOL, do PSTU e dos Black Blocs faz parte da esquerda infantil, vítima daquela doença diagnosticada há tempos por aquele famoso autor russo, Lênin, inspirado - saibam - por uma leitura de Freud.
A "doença infantil do esquerdismo" faz o jogo da direita, que também sai às ruas para dar vazão à revolta dos privilegiados, esse particular e curioso fenômeno do Brasil atual.
A violência, que se espalha perigosamente e toma uma forma cada vez mais política no país, tem várias caras. Algumas estão mascaradas e pertencem aos Black Blocs. Outras, são as pessoas que renegam a violência, mas são complacentes com sua existência na medida em que caracterizam os protestos e o quebra-quebra como um efeito inevitável das políticas públicas.
Playboys e Black Blocks unidos pensam que jamais serão vencidos. Veremos em outubro, nas urnas.
*Reinaldo Lobo é psicanalista e jornalista. Tem um blog: imaginarioradical.blogspot.com.
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